sexta-feira, 20 de novembro de 2009

AS DIFICULDADES TEÓRICAS PRESENTES NO PENSAMENTO CARTESIANO APRESENTADAS POR GILBERT RYLE NA OBRA INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA - O CONCEITO DE ESPÍRITO


Pretendo demonstrar neste artigo as dificuldades teóricas apresentadas por Gilbert Ryle na dualidade entre corpo e mente no pensamento de Descartes. O autor defende que os princípios centrais do racionalismo cartesiano estão errados. Afirma Ryle (1970, p. 16): “Espero provar que a doutrina oficial é inteiramente falsa, não em pormenor, mas em principio. Não é uma mera reunião de erros particulares. É um grande erro e um erro de gênero especial. É, designadamente, um erro-categoria.” Ryle (1970, p. 18): “Meu propósito destrutivo é mostrar que uma família de erros categoria radicais é a fonte da teoria da dupla vida”. Para tanto explicitarei sobre a natureza do corpo e a natureza da mente, apresentada por Descartes, para assim compreendermos as dificuldades encontradas por Ryle.
O pensamento cartesiano diz que todo ser humano é simultaneamente corpo e espírito. O corpo existe no espaço, está sujeito as leis mecânicas que governam todos os outros corpos existentes no espaço, e os estados do corpo podem ser notados por observadores externos. Em oposição o espírito não existe no espaço e as suas operações não estão sujeitas as leis mecânicas, o seu trabalho não é testemunhado por observadores, só o individuo pode ter conhecimento direto dos estados do seu próprio espírito.
Uma pessoa vive portanto através de duas histórias colaterais, constituindo uma no que acontece no e ao seu corpo, a outra no que acontece no e ao seu espírito. A primeira é pública, a segunda privada. Os acontecimentos da primeira história fazem parte do mundo físico, os da segunda são acontecimentos do mundo mental. RYLE (1970, p. 12).
O autor aponta como um das dificuldades teóricas da doutrina oficial o problema de como o corpo e o espírito se interinfluênciam, ele afirma que o que o espírito quer é executado pelo corpo e o que afeta o corpo tem algo a ver com as percepções do espírito.
Essa dificuldade já é evidenciada pelo molde lógico utilizado, onde as operações do espírito tinham que ser o oposto das descrições do corpo; não existe no espaço, não são modificações da matéria, não são acessíveis a observações públicas.
A cresça de que há uma oposição diametral entre espírito e matéria vem da cresça de que são termos do mesmo tipo lógico; ou existe espírito ou existe corpo ( mas não ambas), seria como dizer: ela comprou uma luva da mão direita e uma luva da mão esquerda, ou um par de luvas (mas não ambas).
Sobre o conhecimento que o espírito assegura o autor demonstra que há evidencia mostrada por Freud que as pessoas são movidas por impulsos, alguns pensamentos diferem daqueles que confessam. No entanto os defensores do racionalismo defendem que o individuo tem conhecimento direto e autentico do estado do seu espírito.
Também se supõe que o individuo é capaz de exercer uma percepção interior, e esta auto-observação está imune a ilusão, a confusão ou a dúvida; mas o autor afirma que por outro lado, uma pessoa não tem acesso direto a nenhuma espécie de conhecimento sobre a vida interior de outra, sendo assim não se pode fazer mais que inferências problemáticas ao comportamento físico observado do corpo. O acesso direto a atividade de um espírito é um privilégio desse próprio espírito, sendo oculta para qualquer outra pessoas.
Como já foi dito anteriormente a doutrina de Descartes é falsa, e um erro de gênero especial, é um erro-categoria, que são cometidos quando não se sabe utilizar os conceitos.
“Os erros-categoria de interesse teórico são os produzidos por pessoas perfeitamente capazes de aplicar conceitos, mas que estão ainda sujeitas, nos seus pensamentos abstratos, a situar esses conceitos em tipos lógicos a que eles não pertencem.” RYLE (1970, p. 17).
Uma das principais origens do erro-categoria cartesiano foi quando Galileu mostrou que os seus métodos de descoberta científica eram capazes de estabelecer uma teoria mecânica que abrangeria todos os ocupantes do espaço. Descartes encontrou em si próprio duas afirmações em conflito: como homem de gênio cientista tinha que aprovar as descobertas da mecânica; ao passo que como homem religioso e moral não poderia aceitar que a natureza humana difere apenas em grau de complexidade do mecanismo de um relógio, o mental não poderia ser variedade do mecânico.
Descartes empregou a seguinte escapatória, as leis mecânicas explicam movimentos no espaço como efeito de outros movimentos no espaço, outras leis devem explicar operações não espaciais dos espíritos como efeito de outras operações não espaciais dos espíritos; a diferença está na causa, alguns são originados por movimentos de partículas de matéria, outros são originados por atividades do espírito.
Descarte insiste em afirmar que corpo e mente são distintos e se excluem mutuamente e que a mente existe independente do corpo. Admitindo essa dualidade cartesiana estaremos admitindo também dois modos de conhecer: um externo e público, que depende da experiência , e outro interno e privado que independe da experiência. E assim cada indivíduo reconhece seu próprio estado mental, criando deste modo um grande problema para se chegar ao que é verdadeiro e ao que é fácil. Pois é sujeito que pensa a realidade não pode determinar se o seu pensamento é verdadeiro ou falso se o mesmo não for discutido e avaliado por outros seres pensantes que possam perceber essa mesma realidade, e como a mente é privada, cada individuo tem experiência apenas da sua própria mente.

REFERÊNCIAS
DINIZ, F. R. A; AQUINO, J. A; CARMO, L. A. D.. Princípio: Discussões Filosóficas II. 2 ed. Sobral: Edições UVA, 2008.
RYLE, Gilbert. Introdução à Psicologia – O Conceito de Espírito.Tradução de M. Luisa Nunes. Lisboa, 1970.

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