sábado, 30 de outubro de 2010

OS CONTRIBUTOS DE HEIDEGGER E GADAMER PARA A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA CONTEMPORANEA



RESUMO

Este trabalho pretende apresentar as contribuições de Heidegger e Gadamer para a hermenêutica filosófica contemporânea. Para tanto iremos discorrer acerca da definição de hermenêutica, seus pressupostos e seu campo de aplicabilidade. Mostraremos a importância da historicidade para a compreensão, a impossibilidade de nos despir das pré-compreensões, e como o conhecimento ocorre no círculo hermenêutico.


Palavras-chave: compreensão, historicidade, círculo hermenêutico, preconceitos, tradição


INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende apresentar as contribuições de Heidegger e Gadamer para a hermenêutica filosófica contemporânea. O caráter hermenêutico é persistente na obra de Heidegger. Mostraremos que o filósofo ao tratar do problema ontológico volta-se para o método fenomenológico para estudar a presença cotidiana do homem no mundo, ele faz uma analise de hermenêutica do Dasein, fazendo a importante distinção de sua fenomenologia para a fenomenologia de Husserl. Outro aspecto importante discutido por Heidegger no âmbito da interpretação é a impossibilidade de uma interpretação sem pressupostos de algo previamente dado, ele evidencia a pré-compreensão e o círculo hermenêutico presente no processo do conhecimento. Gadamer associasse expressamente a Heidegger e aprofunda a teoria da experiência hermenêutica por ele esboçada em Ser e Tempo. Gadamer colocar a questão da compreensão ao todo da experiência humana do mundo e da práxis da vida. Sua pergunta principal é: como é possível a compreensão? Para ele essa pergunta antecede o próprio ato de compreender e todo comportamento metodológico das ciências. Este trabalho vem apresentar que Gadamer pretende precisamente mostrar que a constituição do sentido não é obra de uma subjetividade isolada e separada da história, mas só é explicável a partir de nossa pertença na tradição. Antes de passarmos por esses pontos descritos iremos discorrer acerca da definição de hermenêutica, seus pressupostos e seu campo de aplicabilidade. Mostraremos a importância da historicidade para a compreensão, a impossibilidade de nos despir das pré-compreensões, e como o conhecimento ocorre no círculo hermenêutico.


HERMENÊUTICA

A palavra hermenêutica deriva do grego hermenéuein, é o estudo dos princípios metodológicos de interpretação e de explicação, sendo que estas pressupõem o mundo da cultura, a história, as experiências do falante. Ela pode ser aplicada na teologia, na literatura, na filosofia e no direito. A hermenêutica filosófica é uma corrente contemporânea, surgida pela metade do século XX e caracterizada em grandes linhas pela idéia de que a verdade é consequência de uma interpretação. A hermenêutica trata do mundo como linguagem, o que significa dizer que o mundo só se manifesta para o sujeito através do sentido. Assim o ser humano só é racional por que seu acesso ao mundo se dá via sentido, via palavra, linguagem. No entanto, esse ser capaz de linguagem não é neutro, ele fala dentro de uma história, dentro de uma determinada cultura.
No âmbito hermenêutico quando falamos do ser, das coisas e de nós mesmos, estamos falando de realidades historicamente determinadas, de entidades que se desenvolve, mudam e terminam, o homem, por exemplo, não é uma realidade estável e definida, mas um esboço autobiográfico naquilo que tem sido até este momento ou que projeta ser. Quando procuramos compreender a realidade ou dizemos que uma coisa é, existe, fazemos referencia ao mutável, de tradição, narrações, e é esse conjunto que a hermenêutica dá o nome de ser. Para a hermenêutica o ser é linguagem e é tempo, fluxo do acontecer. A hermenêutica herda a tese heideggeriana, para a qual ser é evento, ou seja, o ser não é mais acontece, e o seu acontecer é um evento lingüístico.
Nós estamos imersos num fluxo de linguagem, num conjunto lingüístico-temporal, por isso, jamais encontramos as coisas de modo imediato, mas temos sempre um certo número de informações preliminares, preconceitos, e a linguagem determina o nosso juízo sobre a realidade. Heidegger em Ser e Tempo declara querer ocupar-se com o problema do ser, que é muito abrangente, vasto, mas se pensarmos sobre essa problemática perceberemos que já temos uma noção do que é o ser, já temos dele uma certa compreensão.
O ser-linguagem em que estamos imersos faz, que no compreender nós já sejamos sempre orientados por condicionamentos de tipo lingüístico-cultural. Há uma pré-compreensão das coisas, que antecipa o nosso conhecimento da realidade. Este pré-compreender por um lado põe em discussão a idéia de um conhecimento neutro e objetivo das coisas, por outro lado nos ajuda a conhecer a realidade.
Sendo assim, podemos concluir que compreendemos sempre qualquer coisa que já conheço, e também que, no ato em que formulo uma pergunta, prevejo qual poderá ser a resposta. Segundo o ponto de vista hermenêutico esta é uma circularidade natural do compreender, é uma oportunidade positiva. Interpretar significa mover-se nessa circularidade, referindo a nossa pré-compreensão das coisas a experiência efetiva. O circulo hermenêutico é assim o princípio fundamental da lógica da experiência hermenêutica e a diferência da lógica do conhecimento tradicional.



A CONTRIBUIÇÃO HEIDEGGERIANA PARA A HERMENÊUTICA


Em um conjunto de ensaios Heidegger discute o caráter persistentemente hermenêutico do seu próprio pensamento, no que respeita tanto ao primeiro como ao último Heidegger. A própria filosofia, segundo ele, é hermenêutica. O filósofo ao tratar do problema ontológico volta-se para o método fenomenológico para estudar a presença cotidiana do homem no mundo. Ele fez essa análise principalmente na obra Ser e Tempo e denomina essa analise de hermenêutica do Dasein. No entanto é preciso deixar claro a definição que Heidegger atribui a fenomenologia, é “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo. É este o sentido formal da pesquisa que trás o nome de Fenomenologia” , Heidegger afirma também que “descrever o mundo fenomenologicamente significa: mostrar e fixar numa categoria conceitual o ser dos entes que simplesmente se dão dentro do mundo” .
Neste contexto, a hermenêutica não se refere à ciência ou as regras da interpretação textual, mas, antes a uma explicação fenomenológica da própria existência humana. A análise de Heidegger indicou que a interpretação e a compreensão são modos fundantes da existência humana. Ele apresenta com a hermenêutica do Dasein uma ontologia da compreensão; a sua investigação é de caráter hermenêutica, quer nos conteúdos quer no método. A hermenêutica é relacionada de uma só vez com as dimensões ontológicas da compreensão e simultaneamente com a fenomenologia específica de Heidegger.
Sabemos que o ser não é um fenômeno e sim algo indefinível, no entanto temos uma certa compreensão do que é a plenitude do ser, esta compreensão não é uma compreensão fixa, pois ela se forma historicamente. A ontologia tem que se tornar fenomenologia, ela tem que se voltar para o processo de compreensão e interpretação pelos quais as coisas aparecem, tem que descobrir o modo e a orientação da existência humana.
Em Heidegger a ontologia, enquanto fenomenologia do ser, deve tornar-se uma hermenêutica da existência, sendo um ato de interpretação que faz com que uma coisa saia de seu esconderijo, ele define a essência da hermenêutica como o poder ontológico de compreender e interpretar, o poder que torna possível a revelação do ser das coisas e do próprio ser do Dasein.
O conhecimento não pode conceber-se como algo metafísico, acima da existência sensível do homem, mas sim enquanto inseparável desta, ou seja, sem o mundo não há compreensão. O mundo é o campo onde a historicidade e a temporalidade do ser estão presentes, é o lugar em que o ser se traduz em significação, em compreensão e interpretação, é o campo do processo hermenêutico, processo pelo qual o ser se tematiza enquanto linguagem. Heidegger afirma que:
A compreensão do ser-no-mundo como estrutura essencial da pre-sença é que possibilita a visão penetrante da espacialidade existencial da pre-sença. É ela que impede a eliminação antecipada dessa estrutura. Essa eliminação prévia não é motivada ontologicamente mas metafisicamente, pela opinião ingênua de que primeiro o homem é uma coisa espiritual que, só então, transfere-se para o espaço.

Outro aspecto importante discutido por Heidegger no âmbito da interpretação é a impossibilidade de uma interpretação sem pressupostos de algo previamente dado. Ao abordarmos um texto, por exemplo, há uma razão pelo qual nos voltamos para este texto, alguma afinidade. Esses pressupostos muitas vezes passam despercebido, mas estão presentes em toda construção interpretativa feita pelo interprete.



A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER

Gadamer associasse expressamente a Heidegger e aprofunda a teoria da experiência hermenêutica por ele esboçada em Ser e Tempo. A contribuição de Gadamer para a hermenêutica contemporânea foi fundamentalmente importante, as teses essenciais da hermenêutica como filosofia foi por ele apresentada na sua obra mais importante Verdade e Método, de 1960.
A intenção de Gadamer não foi desenvolver uma doutrina da arte do compreender, nem tampouco de desenvolver um sistema de regras capaz de descrever o procedimento metodológico das ciências do espírito, mas sua intenção fundamental é filosófica: colocar a questão da compreensão ao todo da experiência humana do mundo e da práxis da vida. Sua pergunta principal é: como é possível a compreensão? Para Gadamer essa pergunta antecede o próprio ato de compreender e todo comportamento metodológico das ciências.
Sua preocupação é comparável a postura transcendental kantiana, só que Gadamer parte de Kant para ir além de Kant, na medida em que pretende precisamente mostrar que a constituição do sentido não é obra de uma subjetividade isolada e separada da história, mas só é explicável a partir de nossa pertença na tradição: o ser-ai não pode superar sua própria facticidade, daí sua vinculação a costumes e tradições que determinam sua experiência de mundo. É no horizonte da tradição de um todo de sentido que compreendemos qualquer coisa. A hermenêutica de Gadamer é conscientemente da finitude, o que significa para ele a demonstração de que nossa consciência é determinada pela história.
Para Gadamer o homem é o espírito mediador que faz falarem as coisas do mundo, mas este dar voz não é um constituir como no transcendentalismo kantiano. No mundo o homem é jogado, é constituído pelas verdades, o homem está a certo sentido a serviço das coisas, para que a coisa possa exprimir-se. Vemos assim invertida a posição do sujeito da metafísica e da ciência-técnica, não é o homem a dispor das coisas, mas são as coisas que dispõem dele.
O trabalho da interpretação, para Gadamer, interroga a experiência histórica. A teoria heideggeriana da pré-compreensão e do circulo hermenêutico serve a Gadamer sobretudo para tomar distância do objetivismo do historicismo, reconhecendo a historicidade do objeto histórico, relatividade, caráter móvel e contextual, mas deve-se também realçar a historicidade do sujeito da historiografia, pois também nós, como as coisas da história somos contextuais imutáveis, como diz Heidegger, ao qual segundo Gadamer, se deve a análise mais aprofundada do fenômeno da interpretação, somos sempre jogados num mundo de significados e valores, e por isso não somos neutras entidades avaliadoras da realidade. Gadamer afirma que:
Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas perspectivas e na perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente, tem que ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme se avança na penetração de sentido.
Cada um vê um ato histórico sempre com base nos seus interesses e nas suas expectativas de sentido, interpretamos um fato também com base nisso, confirmando-o, modificando-o, integrando-o em novas aquisições, daí a circularidade do processo interpretativo.
Gadamer também analisa o conceito de tradição, percebe que nós estamos imersos na tradição, nos permitindo dialogar entre nós e o passado, por isso é impossível desprezá-la, mesmo a novidade, acontece sempre sobre um fundo de continuidade. Todo o trabalho de interpretação consiste num diálogo com a tradição e num processo de autocrítica, pondo ao mesmo tempo em obra os preconceitos. Círculo hermenêutico, preconceitos e tradição constituem o cerne, as condições preliminares do trabalho interpretativo.
A hermenêutica não considera possível fornecer uma visão do processo histórico na sua inteireza porque ser histórico significa não poder jamais resolver-se, o nosso opinar e pensar é historicamente determinado, transitório e relativo. Na perspectiva hermenêutica a filosofia pode pretender ser total como em Hegel , no entanto, somente pelo fato de não contituir-se jamais como saber completo, concluído. A hermenêutica é universal, precisamente enquanto não oferece soluções definitivas e a sua totalidade coincide com a abertura.


CONCLUSÃO

O caráter hermenêutico é persistente na obra de Heidegger, este faz uma analise hermenêutica do Dasein, fazendo a importante distinção de sua fenomenologia para a fenomenologia de Husserl. Outro aspecto importante discutido por Heidegger no âmbito da interpretação é a impossibilidade de uma interpretação sem pressupostos de algo previamente dado, ele evidencia a pré-compreensão e o círculo hermenêutico presente no processo do conhecimento. Gadamer parte da análise do ser-ai articulada por Heidegger, tematizando a compreensão como um constitutivo fundamental do ser histórico. Para gadamer, a analítica temporal do ser humano em Heidegger demonstrou convincentemente que a compreensão não é um modo de comportamento do sujeito, mas uma maneira de ser do ser-ai. Há hermenêutica porque o homem é hermenêutica, isto é, finito e histórico, e isso marca o todo de sua experiência de mundo. Portanto, para Gadamer é fundamental a análise da temporalidade, e ele procura a partir dela pensar a hermenêutica.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

D´AGOSTINI, F. Hermenêutica In: Analíticos e Continentais. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003.
GADAMER, H. G. Os traços fundamentais de uma teoria da experiência hermenêutica In: Verdade e Método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997.
HEIDEGGER, Martin. A interpretação da pré-sença pela temporalidade e a explicação do tempo como horizonte trancendental da questão do ser In: Ser e tempo. Parte I, Tradução Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 1997.
OLIVEIRA, M. A. Martin Heidegger: pragmática existencial In: Reviravolta Lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
OLIVEIRA, M. A. H. G. Gadamer In: Reviravolta Lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
PALMER, R. E. Hermenêutica. Tradução Maria Luisa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 1969.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O utilitarismo na perspectiva de Bentham, Stuart Mill e Singer



Este trabalho pretende apresentar o que é o utilitarismo nas perspectivas dos filósofos Bentham, Stuart Mill e Peter Singer, descrevendo como, segundo o utilitarismo, devemos pautar nossas ações, qual o fundamento do princípio da utilidade, apresentar como é tratado o interesse da comunidade nessa perspectiva, quais os erros que alguns autores cometem quando usam o termo utilitarismo sem saber realmente o que ele representa e apresentar o utilitarismo como uma ética consequencialista.
O homem encontra-se diante de dois aspectos constituintes da vida, são estes a dor e o prazer, para o utilitarista Bentham é a partir destes doía aspectos que devemos pautar nossas ações, a dor e o prazer definem o que é certo e o que é errado, o homem está sujeito a eles em todos os momentos de sua vida. Esta sujeição é o fundamento do principio da utilidade, no qual objetiva promover a felicidade através da razão e da lei.
O principio da utilidade é aquele que aprova ou desaprova qualquer ação segundo a tendência que tem a aumentar ou diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse esta em jogo. Nas palavras de Bentham:
O termo utilidade designa aquela propriedade existente em qualquer coisa, propriedade em virtude da qual o objeto tende a produzir ou proporcionar benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidade, ou a impedir que aconteça o dano, a dor, o mal, ou a infelicidade para a parte cujo interesse está em pauta. (1984, p. 4).

Portanto, uma determinada ação está em conformidade com o princípio da utilidade quando a tendência que ela tem a aumentar a felicidade for maior do que qualquer tendência que tenha a diminuí-la.
Tratando-se do interesse da comunidade, Bentham vai afirmar que a comunidade constitui um corpo fictício, composto de pessoas individuais que se consideram como constituindo os seus membros, ou seja, o interesse da comunidade é a soma dos interesses dos indivíduos, ele conclui que é inútil falar do interesse da comunidade se não se compreender qual é o interesse do individuo.
Stuart Mill chama a atenção para o fato de que muitos autores cometem o erro de usar a palavra utilitarista, em jornais e periódicos, sem saberem nada sobre o termo. Ele é aplicado erroneamente como depreciação para exprimir a rejeição do prazer em algumas das suas formas, como a da beleza, a do ornamento, ou da diversão; mas também é mal utilizado como, como se aplicasse uma superioridade em relação à frivolidade e aos meros prazeres efêmeros. “Este uso pervertido é o único pelo qual a palavra é popularmente conhecida, e é aquele pelo qual a nova geração está a adquirir a única noção do seu significado.” GALVÃO (2005, p. 48).
Similar a Betham, Stuart Mill coloca que o princípio da maior felicidade, como fundamento da moralidade, defende que as ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a produzir o reverso da felicidade. Sendo que, por felicidade entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade entende-se a dor e a privação de prazer.
Podemos conclui, então, que o utilitarismo é uma teoria consequencialista, pois ela visa a felicidade, o prazer. Singer evidencia que éticas consequencialistas não partem de regras morais, mas sim de objetivos, portanto, um utilitarista nunca pode ser corretamente acusado de falta de realismo, nem de adepto de ideais que desprezem a experiência prática. Singer observa que os utilitaristas clássicos, como Betham e Stuart Mill, usavam “prazer” e “sofrimento” num sentido amplo, que lhes permitia incluir a conquista daquilo que se deseja como um “prazer”, e o contrário como “sofrimento”.
A dor e o prazer, é a partir destes doía aspectos que devemos pautar nossas ações, o homem está sujeito a eles em todos os momentos de sua vida. Esta sujeição é o fundamento do principio da utilidade, no qual objetiva promover a felicidade através da razão e da lei. Portanto, uma determinada ação está em conformidade com o princípio da utilidade quando a tendência que ela tem a aumentar a felicidade for maior do que qualquer tendência que tenha a diminuí-la. O utilitarismo é, portanto, uma teoria consequencialista, pois ela visa a felicidade, o prazer.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BETHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Col. Os pensadores, trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
GALVÃO, P. O utilitarismo, de John Stuart Mill. Portugal: Porto Editora, 2005.
SINGER, Peter. Ética prática. Trad. Jefferson Luis Camargo. 3º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A QUESTÃO DO NADA COMO UMA QUESTÃO METAFÍSICA EM HEIDEGGER



RESUMO
No texto “Que é metafísica?” Heidegger apresenta a questão do nada como uma questão metafísica. Ele apresenta a questão nos seguintes momentos: preleção, posfácio e introdução, onde neste artigo só nos deteremos nas duas primeiras partes. Na preleção inicia-se com o desenvolvimento de uma questão metafísica, em seguida, a elaboração da questão, no terceiro momento a resposta à questão, e encerraremos com o posfácio, que é acrescentado com o objetivo de mostrar o caminho para se compreender a preleção, diante de tantos mal- entendidos.

PALAVRAS- CHAVE: Metafísica, ente, ciência, nada, ser- aí


1.INTRODUÇÃO

Heidegger ao iniciar sua prática de professor na cátedra de filosofia em Freiburg, pronuncia sua primeira aula diante de todo corpo docente e discente da universidade. Sendo esta publicada no ano 1929 com o título “Que é metafísica?”. Pretende-se neste artigo mostrar de que maneira Heidegger aborda essa questão. Passaremos pelos seguintes momentos: como surgiram os textos, sua divisão em preleção, posfácio e introdução, onde neste artigo só nos deteremos nas duas primeiras partes. Na preleção o objetivo de Heidegger é discutir uma determinada questão metafísica, a questão do nada, ele apresenta a discussão nos seguintes momentos: inicia-se com o desenvolvimento de uma questão metafísica, onde vai mostrar que há na pergunta metafísica uma dupla característica, e aponta a ciência como àquela que determina nossa existência e que na totalidade dos entes há um ente que se difere, o homem, e é este que faz ciência, em seguida, a elaboração da questão, O momento seguinte da discussão de Heidegger é a elaboração da questão do nada, tornando possível uma resposta ou então comprovar sua impossibilidade, no terceiro momento da preleção, a resposta à questão, o filósofo afirma que a resposta já foi alcançada se mantermos realmente formulada a questão do nada, e encerra com o posfácio, que é acrescentado com o objetivo de mostrar o caminho para se compreender a preleção, diante de tantos mal- entendidos.


2.FORMULAÇÃO DOS TEXTOS

Os textos, que compõe O que é a metafísica? de Heidegger, surgiram quando ele assumiu a cátedra de filosofia em Freiburg, que vagou com a aposentadoria de Edmund Huserl. Ao iniciar sua prática de professor ele pronunciou sua primeira aula diante de todo corpo docente e discente da universidade. Esta aula inaugural pública é datada de 24 de junho de 1929 e publicada no mesmo ano. A preleção obteve profunda repercussão, em resposta às objeções o filósofo acrescentou em 1943 um posfácio esclarecendo aspectos que causaram dúvidas e mal-entendidos, e em 1949 o autor publicou uma introdução com o título “ Retorno ao fundamento da metafísica”.

3.A PRELEÇÃO

O objetivo de Heidegger é discutir uma determinada questão metafísica. Na preleção ele apresenta a discussão nos seguintes momentos: inicia-se com o desenvolvimento de uma questão metafísica, em seguida, a elaboração da questão, e encerra com a resposta.
Podemos perceber no decorrer do texto uma estruturação peculiar, onde seguimos passo a passo o desenvolvimento do argumento do autor sem nos desprendermos, tal estruturação tem como objetivo superar posicionamentos imediatistas por parte do leitor.

Dentro do mais autêntico estilo heideggariano, a preleção marcha para seu objetivo. Importa, porém, acompanhar a tessitura da interrogação que perseguir a meta que, desligada do movimento problematizador, aparece despida de qualquer interesse. Este encadeamento dialético visa arrancar o ouvinte ou o leitor da postura ingênua imediatista para levá-lo ao nível em que se deve desdobrar a interrogação metafísica. Atingindo tal nível, a resposta é encontrada pelo esforço pessoal. STEIN, E. (1989, 28)


3.1 O DESENVOLVIMENTO DE UMA INTERROGAÇÃO METAFÍSICA

Há na pergunta metafísica uma dupla característica, ela pretende sempre abarcar a totalidade. “ela é a própria totalidade” HEIDEGGER (1989, 35). E por outro lado a questão metafísica só pode ser formulada na medida em que aquele que interroga esteja envolvido na questão, isto é, seja problematizado. “(...) a interrogação metafísica deve desenvolver-se na totalidade e na situação fundamental da existência que interroga. HEIDEGGER (1989, 35).
Heidegger aponta a ciência como àquela que determina nossa existência. Elas têm diferentes objetos, e cada ciência os tratam de maneiras diversas e são organizadas pelas finalidades práticas das especialidades, mas para Heidegger as ciências abandonam completamente a busca pelo fundamento essencial.
“A referência ao mundo, que impera através de todas as ciências enquanto tais, faz com que elas procurem o próprio ente para, conforme seu conteúdo essencial e seu
Modo de ser, transformá-lo em objeto de investigação e determinação fundante. HEIDEGGER (1989, 35 e 36). Essa referência de mundo é sustentada por um comportamento da existência humana livremente escolhida. Objetivamente perguntamos, determinamos e fundamos o ente, nós subjugamos ao próprio ente, para que este realmente se manifeste.
Na totalidade dos entes há um ente que se difere, o homem, e é este que faz ciência, mas até este é apenas um modo de ser, e essa compreensão é necessária para que assim se perceba, como um modo de ser.
O homem – um ente entre outros – “faz ciência”. Neste “fazer” ocorre nada menos que a irrupção de um ente, chamado homem, na totalidade do ente, mas de tal maneira que, na e através desta irrupção, de descobre o ente naquilo que é em seu modo de ser. Esta irrupção reveladora é o que, em primeiro lugar, colabora, a seu modo, para que o ente chegue a si mesmo. HEIDEGGER (1989, 36).

Na existência científica o que se examina é o ente, é dele que se recebe a orientação do comportamento, “(...) a ciência nada quer saber do nada. Esta é, afinal, a rigorosa concepção científica do nada. No entanto, quando a ciência busca se definir, ela recorre ao nada. Aquilo que ela rejeita ela leva em consideração.” HEIDEGGER (1989, 36). Então o filósofo aponta uma essência ambivalente que se revela nessa discussão.
Ao refletirmos sobre nossa existência presente – enquanto uma existência determinada pela ciência -, desembocamos num paradoxo. Através desse paradoxo já se desenvolveu uma interrogação. A questão exige apenas uma formulação adequada: que acontece com este nada? HEIDEGGER (1989, 36).

3.2 A ELABORAÇÃO DA QUESTÃO

O momento seguinte da discussão de Heidegger é a elaboração da questão do nada, tornando possível uma resposta ou então comprovar sua impossibilidade. Nos parece muito incomum a pergunta pelo que é o nada, pois na pergunta já se supõe o nada como algo que é. A pergunta pelo nada converte o interrogado em seu contrário, também toda resposta a esta questão é, desde o inicio, impossível. Pois ela se apresentaria da seguinte forma: “o nada “é” isto ou aquilo. Tanto a pergunta como a resposta são, no que diz respeito ao nada igualmente contraditórias em si mesmas” HEIDEGGER (1989, 37). O principio de não-contradição, a lógica, arrasa esta pergunta, pois pensamento é sempre pensamento de alguma coisa, e sempre que tentar pensar o nada vai agir contra sua própria essência. Somente com o auxilio do entendimento que podemos determinar o nada e colocá-lo como um problema, pois o nada é a negação da totalidade do ente, sendo assim, submetemos o nada à determinação do negativo. A negação é conforme a doutrina da lógica é um ato específico do entendimento, “(...) a possibilidade da negação, como atividade do entendimento, e, com isto o próprio entendimento, depende, de algum modo do nada.” HEIDEGGER (1989, 38).
Em nossa rotina cotidiana estamos sempre presos aos entes, como se estivéssemos perdidos nos domínios do ente, mas quando não estamos propriamente ocupados com as coisas e com nós mesmos nos tornamos autênticos, por exemplo, no tédio. Acontece no ser-ai o homem a disposição de humor na qual ele é levado à presença do próprio nada, isto ocorre na disposição fundamental de humor da angústia.
A angústia é radicalmente diferente do temor, pois nos atemorizamos sempre diante deste ou daquele ente determinado, na angústia há uma essencial impossibilidade de determinação.
Na angústia – dizemos nós – “a gente sente-se estranho”. O que suscita tal estranheza e quem por ela é afetado? Não podemos dizer diante de que a gente se sente estranho. A gente se sente totalmente assim. Todas as coisas e nós mesmos afundamo-nos numa indiferença. Isto, entretanto, não no sentido de um simples desaparecer, mas em si afastando elas se voltam para nós. Este afasta-se do ente em sua totalidade, que nos assedia na angústia nos oprime. Não resta nenhum apoio. Só resta e nos sobrevém – na fuga do ente – este “nenhum”. HEIDEGGER (1989, 38).
Na angústia atingimos a consciência do ser-ai no qual o nada está manifesto e a partir do qual deve ser questionado.

3.3 A RESPOSTA À QUESTÃO

No terceiro momento da preleção, a resposta à questão, o filósofo afirma que a resposta já foi alcançada se mantermos realmente formulada a questão do nada.
O ser-ai que é o homem é um ente entre outros, no entanto, ele é um ente privilegiado, pois ele faz a pergunta pelo ser, esse ser no mundo se torna determinado quando se encontra na mundaneidade, se torna coisa e esquece o questionamento do ser, se torna anônimo, na inautenticidade, mas este é um modo de ser. O nada é o rompimento da determinação do ser-ai, o nada é a indeterminação. “ser-ai quer dizer: estar suspenso dentro do nada.” HEIDEGGER (1989, 41).
Suspendendo-se dentro do nada o ser-ai já sempre está além do ente em sua totalidade. Este estar além do ente designamos a transcendência. Se o ser-ai nas raízes de sua essência, não exercer seu ato de transcender, e isto expressamos agora dizendo: se o ser-ai não estivesse suspenso previamente dentro do nada ele jamais poderia entrar em relação com o ente e, portanto, também não consigo mesmo. HEIDEGGER (1989, 41).
O nada não é nem um objeto, nem um ente. O nada é a possibilidade da revelação do ente enquanto abertura, indeterminação, ser-ai humano.
A angústia originária somente acontece em raros momentos, o ser-ai se perde, de determinada maneira, junto ao ente. Quanto mais nos voltamos para o ente em nossas ocupações, tanto mais nos afastamos do nada e ficamos na superfície do ser-ai.
Heidegger pretende apresentar a metafísica a partir da interrogação pelo nada.
Nossa interrogação pelo nada tem por meta apresentar-nos a própria metafísica. O nome “metafísica” vem do grego: tà metà physiká. Esta surpreendente expressão foi mais tarde interpretada como caracterização da interrogação que vai metá – trans “além” do ente enquanto tal. Metafísica é o perguntar além do ente para recuperá-lo, enquanto tal e em sua totalidade, para a comprenssão. HEIDEGGER (1989, 42 e 43).

Na pergunta pelo nada se vai além do ente, isto prova que ela é uma questão metafísica. O ser é finito em sua manifestação no ente, e somente se manifesta na transcendência do ser-ai suspenso dentro do nada, sendo assim, ser e nada copertencem. Então, se a questão do ser é a questão que envolve a metafísica, então a questão do nada compreende a totalidade da metafísica.
A ciência, como já foi dito aqui, se relaciona unicamente com o ente de modo especialíssimo, querendo abandonar o nada. No entanto foi demonstrado aqui que essa existência metafísica somente é possível se, se suspende previamente dentro do nada. Somente pode-se compreender o que é a existência ciêntífica quando não se abandona o nada.
A aparente sobriedade e superioridade da ciência se transforma em ridículo se não leva a sério o nada. Somente por que o nada se revelou, pode a ciência transformar o próprio ente em objeto de pesquisa. Somente se a ciência existe graças a metafísica, é ela capaz de conquistar sempre novamente sua tarefa esencial, que não consiste primeiramente em colher e ordenar conhecimentos, mas na descoberta de todo espaço da verdade da natureza e da história, cuja realização sempre se deve renovar. HEIDEGGER (1989, 44).

Somente por causa de o nada habitar o ser-ai podemos estranhar o ente, a partir de tal estranhamento desperta-se a admiração, somente na admiração surge o porque, e partir dele podemos nos perguntar pelas razoes e somente por nós podermos perguntar pelas razões e somente por nós podermos perguntar foi entregue a nossa existência o destino do pesquisador. “A questão do nada põe a nós mesmos – que perguntamos – em questão. Ela é uma questão metafísica. HEIDEGGER (1989, 44).


4.O POSFÁCIO

Heidegger, quanto à preleção, foi mal – entendido, compreenderam-no como promotor do niilismo, da filosofia da angústia, do irracionalismo que combatia a validez da lógica. Para esclarecer a preleção ele escreve o posfácio para responder as objeções. Heidegger vai dizer que todas as objeções que contra ele se levantaram são resultado da postura de objetivismo ingênuo. O posfácio é acrescentado com o objetivo de mostrar o caminho para se compreender a preleção.
As dificuldades para acompanhar o pensamento da preleção são de duas espécies. Umas surgem dos enigmas que se ocultam no âmbito do que aqui é pensado. As outras se originam na incapacidade e também, muitas vezes da má vontade para pensar. Na esfera do interrogar pensante podem já ajudar objeções passageiras, mas certamente, entre estas, aquelas que forem cuidadosamente meditadas. HEIDEGGER (1989, 44).

O nada não corresponde a qualquer tipo de niilismo ou pessimismo, ele é o véu do ser, para se compreender nessa perspectiva é preciso se desprender da atitude objetivista e se elevar para a dimensão transcendental, desta forma pode-se compreender que o nada é um nome para o ser.
Da mesma forma a angústia deve ser compreendida, na dimensão transcendental ela não é um estado psicológico ou sentimental, é um acontecer no ser-ai em que se realiza a experiência do ser com o nada.
Por fim, em relação à lógica, Heidegger não lhe nega a validez, mas mostra a dimensão em que se manifesta o ser, em que se ultrapassa a lógica do entendimento. A compreensão do ser ultrapassa a lógica dos entes.


5.CONCLUSÃO

A ciência quis em suas análises abandonar o nada, mas como já analisamos a partir da leitura de Heidegger, ela faz uso do nada para se definir, e a existência científica somente é possível se se suspende previamente dentro do nada, só assim compreende ela realmente o que é quando não abandona o nada. Somente porque o nada se revelou pode a ciência transformar o ente em objeto de pesquisa. A pergunta pelo nada é importante porque ela põe a nós mesmos em questão. Ela é uma questão metafísica. O ultrapassar o ente acontece na essência do homem. Este ultrapassar, porém é a própria metafísica. Nisto reside o fato de que a metafísica pertence à natureza do homem, ela é o acontecimento essencial no âmbito do ser-si, na medida em que existimos estamos sendo colocados para dentro dela, pois na medida em que o homem existe acontece o filosofar. A filosofia somente se põe em movimento por um peculiar salto da existência nas possibilidades fundamentais do ser-aí, em sua totalidade, para tanto é necessário o abandonar para dentro do nada e permitir este estar suspenso para que constantemente retorne à questão fundamental da metafísica que domina o próprio nada.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. Tradução e notas Ernildo Stein. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 1989.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Conceito de Iluminismo em Adorno e Horkheimer


Adorno e Horkheimer no texto conceito de iluminismo apresentam a contradição desse pensamento, que pretendia libertar os homens dos mitos, mas causou o inverso, os aprisionou em novos mitos. Este é o objeto dessa resenha, apresentar os argumentos desses autores, mostrando como ocorreu esse nova forma de dominação.
O Iluminismo, como um pensar que faz progresso, teve como objetivo livrar os homens do medo e de fazer deles senhores, livrar o mundo do feitiço, dissolver os mitos e anular a imaginação, pretendia fazer tudo isso através do saber.
Adorno e Horkheimer iniciam citando Bacon, “o pai da filosofia experimental”, ele critica a tradição Escolástica dos que tem aversão a dúvida, o receio de contradizer, pois diz que essas e outras causas semelhantes impediram que o entendimento humano fizesse um casamento feliz com a natureza das coisas. Adorno e Horkheimer compreenderam que Bacon captou muito bem a ciência que se seguiu a ele, o entendimento que venceu a superstição deve ter voz de comando sobre a natureza desenfeitiçada, pois o saber que é poder não conhece limites e a técnica é a essência desse saber.
No entanto o iluminismo tornou-se mito, pois em vez de libertar os homens ela os aprisionou. A demonstração dessa substituição se faz evidente no texto nas seguintes passagens:
As categorias, nas quais a filosofia ocidental determinara sua eterna ordem da natureza, marcavam os lugares, antigamente ocupados por Ocnnos e Perséfone, Ariádine e Nereu. (...) pelas idéias platônicas, o logos filosófico finalmente também toma conta dos deuses patriarcais do Olimpo. ADORNO E HORKHEIMER (1985, p 20)

Por conseqüência do iluminismo a razão se instrumentaliza e o que não se ajusta às medidas da calculabilidade e da utilidade é suspeito para ele. Foi a lógica formal a grande escola de uniformização, que ofereceu aos iluministas o esquema da calculabilidade. O pensar se coisifica no processo automático, o homem compete com a máquina que ele próprio produz para que esta possa finalmente substituí-lo.
O iluminismo deixou de lado a experiência clássica de pensar o pensamento, a reflexão, a razão se torna uma ferramenta, um mero instrumento auxiliar do aparato econômico.
Para o positivismo, que ocupou o posto e juiz da razão esclarecida, uma digressão pelos mundos inteligíveis não é mais apenas proibida, mas é vista como uma tagarelisse sem sentido. O positivismo - para a sua felicidade - não precisa ser ateísta, pois o pensamento reificado não pode nem mesmo pôr a questão. ADORNO E HORKHEIMER (1985, p 43).
As massas não conseguem perceber a situação em que se encontram, pois apresentam “incapacidade de ouvir o que nunca foi ouvido, de paupar com as próprias mãos o que nunca foi tocado”, é uma nova forma de dominação que supera qualquer forma de dominação mítica vencida. Com a propagação da economia mercantil burguesa, o mito é superado pela razão calculadora iluminista e daí se tem como conseqüência uma nova barbárie.
No texto é feita uma analogia entre os remadores do mito de Ulisses e os trabalhadores da fábrica moderna, “os remadores que não podem falar entre si são atrelados, todos eles, ao mesmo ritmo, tal como o trabalhador moderno, na fábrica, no cinema e na sua comunidade de trabalho.” São as condições concretas de trabalho na sociedade que impõem o conformismo.
No caminho que vai da mitologia a logística, o pensar perdeu o elemento da reflexão sobre si e hoje a maquinaria mutila os homens mesmo quando os alimenta. O iluminismo se perdeu no seu momento positivista.
O iluminismo ao mesmo tempo em que pretendia livrar os homens da dominação dos mitos para fazer deles senhores e livrar o mundo do feitiço, acabou por lhes aprisionar, pois no iluminismo a razão se instrumentaliza, o pensar se coisifica, o homem deixou de lado a experiência clássica de pensar o pensamento, a reflexão, a razão se torna uma ferramenta, um mero instrumento auxiliar do aparato econômico.

domingo, 18 de abril de 2010

Nietzsche e a idade pós-metafísica



O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna, de Vattimo, (introdução), A Gaia Ciência, de Nietzsche, (aforismo 125), e O Crepúsculo dos Ídolos, do mesmo autor, (na parte: como o verdadeiro mundo acabou por se tornar fábula), foram textos lidos para a produção da presente resenha. A partir de tal leitura pretendo demonstrar como Nietzsche de distancia da modernidade e se aproxima da idade pós-metafísica.
Nietzsche é uma das principais referências quando se discute o fim da modernidade, esta se caracteriza pela fundamentação última que se origina pelo pensamento e por meio deste se tem acesso a ela, e também pela constante superação, em um movimento progressivo. De forma mais ampla Vattimo apresenta a modernidade:
(…) a modernidade pode caracterizar-se, de fato, por ser dominada pela idéia da história do pensamento como uma “iluminação” progressiva, que se desenvolve com base na apropriação e na reapropriação cada vez mais plena dos “fundamentos”, que freqüentemente são pensados também como as “origens”, de modo que as revoluções teóricas e práticas da história ocidental se apresentam e se legitimam na maioria das vezes como “recuperações”, renascimentos, retornos. A noção de “superação” que tanta importância tem em toda filosofia moderna, concebe o curso do pensamento como um desenvolvimento progressivo, em que o novo se identifica com o valor através da mediação da recuperação e da apropriação do fundamento-origem. (1996, P. 6)
Nietzsche se distancia dessa lógica moderna de fundamentação, pois para ele esse mundo, mundo verdadeiro, posto pela tradição metafísica não é mais útil para nada é “uma idéia que se tornou supérflua, prescindível; por conseguinte, uma idéia refutada: toca a eliminá-la!” NIETZSCHE (p. 36).
Da mesma forma que ele afirma que o verdadeiro mundo se tornou fábula, ele anuncia a morte de Deus, que representa o rompimento com a lógica moderna de fundamentação, sendo assim propõem que nós mesmos nos tornemos deuses, ou seja, que se considere as condições ou situações particulares, que acontece no historicizar-se. Este pensamento caracteriza a filosofia pós-moderna, nas palavras de Vattimo: “(...) um dos conteúdos característicos da filosofia, de grande parte da filosofia do século XIX e XX, que representa a nossa herança mais próxima, é precisamente a negação de estruturas estáveis do ser, a que o pensamento deveria recorrer para “fundar-se” em certezas não precárias.” (1996, P. 7)
O filósofo alemão rompe com a modernidade quando critica a necessidade de uma fundamentação última que explique toda a totalidade, no entanto recusa-se a propor sua superação crítica, pois isso significaria continuar prisioneiro da lógica de desenvolvimento da modernidade.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A SOCIABILIDADE MODERNA NA FILOSOFIA POLÍTICA HOBBESIANA


Este artigo foi desenvolvido a partir da leitura das questões propostas por Thomas Hobbes na primeira e segunda parte da obra Leviatã, que falam respectivamente do homem e do Estado, com o objetivo de demonstrar como ocorre a passagem do estado de natureza para o estado social. Apresento o momento histórico vivido por Hobbes, fazendo uma breve comparação distintiva entre seu período e o período grego platônico e o medieval; em seguida falarei sobre o estado de natureza hobbesiano, que é a forma que ele usa para explicar a origem da associação política entre os homens, nesse estado há presente um clima de guerra de todos contra todos, os homens nesse estado sentem enorme desprazer da companhia uns dos outros, pois não existe um poder capaz de manter a todos em respeito, a única segurança oferecida é a própria força, a vida do homem é pobre, solitária, sórdida, embrutecida e curta, havendo sempre presente o temor e perigo da morte violenta, há um desejo universal de autoconservação, assim, para satisfazer os próprios anseios e sobreviver, vale tudo; no momento seguinte demonstro como Hobbes apresenta o Estado, diz que a passagem do estado de natureza para o estado social se dá através dos mesmos instintos de autoconservação que coloca o homem em estado de guerra o faz tender para a paz. O Estado é um corpo artificial representado por um ou mais homens, que estariam à cima dos indivíduos, embora fosse criação e representação destes. Quem comandasse esse corpo político seria denominado soberano, os demais seriam os súditos.
Hobbes¹ viveu em uma época em que o homem manifestava um novo comportamento, onde a experiência era tida como referência para se julgar e compreender a ação humana. Os sentidos eram considerados importantes e seguros para se chegar à verdade, diferente da visão grega platônica, que considerava o mundo sensível ilusório;
(...) as ciências modernas se constituem, desde então, como uma forma de pensar que se caracteriza pelo interrogar metódico da natureza. (...) Poe este processo, o homem progride no seu conhecimento e aprende assim a dominar a natureza e a submetê-la aos fins por ele projetados. TEIXEIRA, (1995, p 35)
A nova forma de pensar da modernidade entrou em contradição com a medievalidade, nas palavras do Teixeira (1995, p. 35 e 36):
Sobressai-se o renascimento das ciências, que passaram a reclamar a autonomia dos conhecimentos científicos frente à Igreja, que mantinha o desenvolvimento do saber prisioneiro dos preceitos estabelecidos pela Sagrada Escritura. Doravante, ciência e fé se separam. Aquela (a ciência) ficou com a tarefa de explicar “como vai o céu”, esta última “como se vai ao céu”. Assim, a matemática, a cartografia a navegação, de um modo geral, as ciências e suas conquistas, deram ao homem condições para organizar e controlar o mundo de forma racional. (...) livra-se dos preconceitos, mitos e fantasias, que faziam do homem joguete das vontades divinas e sobrenaturais.
Deste modo Hobbes só podia pensar o direito, a moral, o Estado a partir de deduções e fundamentações independentes de qualquer revelação Divina, ele tinha que construir sua teoria partindo da experiência social, uma base a partir da qual pudesse derivar uma teoria do Estado, como instancia reguladora da vida social.
Para explicar a origem da associação política entre os homens Hobbes entra no terreno da hipótese ou da ficção, imaginando como seriam os homens em estado de natureza,
isto é, antes de se associarem. O estado natural do homem é o de “guerra de todos contra todos”, isso se explica pelo fato de os homens serem naturalmente iguais, tanto do ponto de vista corporal como espiritual, explica:
(...) o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. (...), portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. HOBBES (1997, p107 e 108)
Os homens nesse estado sentem enorme desprazer da companhia uns dos outros, pois não existe um poder capaz de manter a todos em respeito. Eles se encontram em condição de guerra, “pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida”, HOBBES (1997, p.109), a única segurança oferecida é a própria força, a vida do homem é pobre, solitária, sórdida, embrutecida e curta, havendo sempre presente o temor e perigo da morte violenta.
Há um desejo universal de autoconservação, assim, para satisfazer os próprios anseios e sobreviver, vale tudo, até o aniquilamento do outro, pois este representa sempre uma ameaça, homo homini lupus, o homem é o lobo do homem².
Os desejos e as paixões do homem não são em si mesmos um pecado, nem as ações que derivam dessas paixões, pois não há uma lei que as proíba, o que para Hobbes é impossível até que sejam feitas as leis e para que isso ocorra devesse determinar qual pessoa deverá fazê-la. Obeserva-se, no entanto, que nessas condições nada é injusto, pois onde não há lei não há injustiça. O que prevalece é o direito de natureza³, isto é, a liberdade de cada um de preservar a sua natureza e a sua vida como bem entender.
No capítulo XIV do Leviatã Hobbes nos apresenta as primeiras leis de natureza, ou seja, preceitos ou regras gerais estabelecidas pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida, portanto, para Hobbes a passagem do estado de natureza para o estado social se dá através dos mesmos instintos de autoconservação que coloca o homem em estado de guerra o faz tender para a paz. Assim, para por fim a essa situação de insegurança, o homem teria sido guiado em parte por suas paixões (o medo da morte e o desejo de segurança e conforto), em parte pela razão, que lhe diz que é necessário obter a paz, uma vez que ela é a condição mais compatível com o instinto de autoconservação, esta é a primeira lei de natureza “procurar a paz, e segui-la”. Em seguida os homens devem estabelecer um contrato entre si, é o que se expressa na segunda lei de natureza:
Que um homem concorde, enquanto outros também o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens em relação a si mesmo. HOBBES (1997, p. 114)
Hobbes formula assim uma teoria contratualista4 para a questão da origem das associações políticas: o medo, a violência necessidade natural de segurança e tranqüilidade teriam levado os homens a renunciar, por meio de um contrato, à sua liberdade original em troca da promessa feita por todos os membros do grupo social de se respeitarem mutuamente para a manutenção da paz.
Mesmo a razão tendo ditado aos homens que todos devem procurar a paz, e desse principio universal se seguem todas as leis que os indivíduos devem seguir para poderem garantir a conservação da própria vida, mesmo tendo consciência disso é necessário que tais leis sejam postas enquanto seis positivas e obrigadas pelo poder coercitivo do Estado5 , pois elas existem apenas na forma de uma dever ser, e só depois de instituído o Estado elas efetivamente se tornam leis, pois passam então a ser ordem do Estado, portanto também leis civis, pois é o poder soberano que obriga os homens a lhe obedecer.
Assim formou-se o corpo político, o Estado, um corpo artificial representado por um ou mais homens, que estariam a cima dos indivíduos, embora fosse criação e representação destes. Quem comandasse esse corpo político seria denominado soberano, os demais seriam os súditos. Mas para poder atingir seu objetivo, a paz geral, o soberano deveria exercer um poder despótico, e aqueles que estão submetidos ao monarca não podem sem licença deste renunciar a monarquia; aquele que tentar depor seu soberano for morto, ou por ele castigado devido a esta tentativa, será o autor de seu próprio castigo, pois por instituição é autor de tudo quanto seu soberano fizer; pertence
a soberania todo poder de descrever as regras, ele tem também a autoridade judicial, ou seja de julgar, possui também o poder de fazer a guerra e a paz com outras nações e Estados.O Estado seria um verdadeiro monstro sendo denominado por Hobbes de Leviatã6.
Thomas Hobbes sinaliza uma postura radical, que adotou com o objetivo de explicar a organização da sociedade e o poder do Estado: partindo da análise do homem em sua realidade, ele focaliza tanto seu lado luminoso como seus aspectos obscuros, talvez com maior ênfase neste, para depois, num processo de síntese, justificar a formação do Estado absolutista. Ele se mostra, portanto, um defensor do absolutismo. Vivendo num período conturbado de disputas entre o parlamento inglês e os reis e guerras civis, colocou-se contra a monarquia constitucional, pois acreditava que a divisão do poder gerava competições que comprometiam a paz. Mas, embora acreditasse na necessidade de uma obediência incondicional ao poder instituído, ele defendia que, se o soberano não cumprisse sua parte no pacto, isto é se não conseguisse manter a paz, a propriedade e, fundamentalmente a vida dos cidadãos, estes poderiam desobedecer-lhe, pois o pacto teria sido quebrado.
Além de sua visão cética em relação ao homem e à sua natureza sociável, o pensamento político de Hobbes inovou em relação a teoria dos demais pensadores de seu tempo, uma vez que o absolutismo defendido por ele não derivava de um direito divino, como nas doutrinas de Bodin e Bossue: ele nasceria de um pacto, que quando bem cumprido, levaria, como vimos, necessariamente ao absolutismo.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CHALITA. Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Ática, 2005.
HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (col. Os pensadores).
TEIXEIRA. Francisco José Soares. Economia e Filosofia no Pensamento Político Moderno. Campinas, SP: Pontes, Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 1995.

AS DIFICULDADES TEÓRICAS PRESENTES NO PENSAMENTO CARTESIANO APRESENTADAS POR GILBERT RYLE NA OBRA INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA - O CONCEITO DE ESPÍRITO


Pretendo demonstrar neste artigo as dificuldades teóricas apresentadas por Gilbert Ryle na dualidade entre corpo e mente no pensamento de Descartes. O autor defende que os princípios centrais do racionalismo cartesiano estão errados. Afirma Ryle (1970, p. 16): “Espero provar que a doutrina oficial é inteiramente falsa, não em pormenor, mas em principio. Não é uma mera reunião de erros particulares. É um grande erro e um erro de gênero especial. É, designadamente, um erro-categoria.” Ryle (1970, p. 18): “Meu propósito destrutivo é mostrar que uma família de erros categoria radicais é a fonte da teoria da dupla vida”. Para tanto explicitarei sobre a natureza do corpo e a natureza da mente, apresentada por Descartes, para assim compreendermos as dificuldades encontradas por Ryle.
O pensamento cartesiano diz que todo ser humano é simultaneamente corpo e espírito. O corpo existe no espaço, está sujeito as leis mecânicas que governam todos os outros corpos existentes no espaço, e os estados do corpo podem ser notados por observadores externos. Em oposição o espírito não existe no espaço e as suas operações não estão sujeitas as leis mecânicas, o seu trabalho não é testemunhado por observadores, só o individuo pode ter conhecimento direto dos estados do seu próprio espírito.
Uma pessoa vive portanto através de duas histórias colaterais, constituindo uma no que acontece no e ao seu corpo, a outra no que acontece no e ao seu espírito. A primeira é pública, a segunda privada. Os acontecimentos da primeira história fazem parte do mundo físico, os da segunda são acontecimentos do mundo mental. RYLE (1970, p. 12).
O autor aponta como um das dificuldades teóricas da doutrina oficial o problema de como o corpo e o espírito se interinfluênciam, ele afirma que o que o espírito quer é executado pelo corpo e o que afeta o corpo tem algo a ver com as percepções do espírito.
Essa dificuldade já é evidenciada pelo molde lógico utilizado, onde as operações do espírito tinham que ser o oposto das descrições do corpo; não existe no espaço, não são modificações da matéria, não são acessíveis a observações públicas.
A cresça de que há uma oposição diametral entre espírito e matéria vem da cresça de que são termos do mesmo tipo lógico; ou existe espírito ou existe corpo ( mas não ambas), seria como dizer: ela comprou uma luva da mão direita e uma luva da mão esquerda, ou um par de luvas (mas não ambas).
Sobre o conhecimento que o espírito assegura o autor demonstra que há evidencia mostrada por Freud que as pessoas são movidas por impulsos, alguns pensamentos diferem daqueles que confessam. No entanto os defensores do racionalismo defendem que o individuo tem conhecimento direto e autentico do estado do seu espírito.
Também se supõe que o individuo é capaz de exercer uma percepção interior, e esta auto-observação está imune a ilusão, a confusão ou a dúvida; mas o autor afirma que por outro lado, uma pessoa não tem acesso direto a nenhuma espécie de conhecimento sobre a vida interior de outra, sendo assim não se pode fazer mais que inferências problemáticas ao comportamento físico observado do corpo. O acesso direto a atividade de um espírito é um privilégio desse próprio espírito, sendo oculta para qualquer outra pessoas.
Como já foi dito anteriormente a doutrina de Descartes é falsa, e um erro de gênero especial, é um erro-categoria, que são cometidos quando não se sabe utilizar os conceitos.
“Os erros-categoria de interesse teórico são os produzidos por pessoas perfeitamente capazes de aplicar conceitos, mas que estão ainda sujeitas, nos seus pensamentos abstratos, a situar esses conceitos em tipos lógicos a que eles não pertencem.” RYLE (1970, p. 17).
Uma das principais origens do erro-categoria cartesiano foi quando Galileu mostrou que os seus métodos de descoberta científica eram capazes de estabelecer uma teoria mecânica que abrangeria todos os ocupantes do espaço. Descartes encontrou em si próprio duas afirmações em conflito: como homem de gênio cientista tinha que aprovar as descobertas da mecânica; ao passo que como homem religioso e moral não poderia aceitar que a natureza humana difere apenas em grau de complexidade do mecanismo de um relógio, o mental não poderia ser variedade do mecânico.
Descartes empregou a seguinte escapatória, as leis mecânicas explicam movimentos no espaço como efeito de outros movimentos no espaço, outras leis devem explicar operações não espaciais dos espíritos como efeito de outras operações não espaciais dos espíritos; a diferença está na causa, alguns são originados por movimentos de partículas de matéria, outros são originados por atividades do espírito.
Descarte insiste em afirmar que corpo e mente são distintos e se excluem mutuamente e que a mente existe independente do corpo. Admitindo essa dualidade cartesiana estaremos admitindo também dois modos de conhecer: um externo e público, que depende da experiência , e outro interno e privado que independe da experiência. E assim cada indivíduo reconhece seu próprio estado mental, criando deste modo um grande problema para se chegar ao que é verdadeiro e ao que é fácil. Pois é sujeito que pensa a realidade não pode determinar se o seu pensamento é verdadeiro ou falso se o mesmo não for discutido e avaliado por outros seres pensantes que possam perceber essa mesma realidade, e como a mente é privada, cada individuo tem experiência apenas da sua própria mente.

REFERÊNCIAS
DINIZ, F. R. A; AQUINO, J. A; CARMO, L. A. D.. Princípio: Discussões Filosóficas II. 2 ed. Sobral: Edições UVA, 2008.
RYLE, Gilbert. Introdução à Psicologia – O Conceito de Espírito.Tradução de M. Luisa Nunes. Lisboa, 1970.