sexta-feira, 28 de maio de 2010

A QUESTÃO DO NADA COMO UMA QUESTÃO METAFÍSICA EM HEIDEGGER



RESUMO
No texto “Que é metafísica?” Heidegger apresenta a questão do nada como uma questão metafísica. Ele apresenta a questão nos seguintes momentos: preleção, posfácio e introdução, onde neste artigo só nos deteremos nas duas primeiras partes. Na preleção inicia-se com o desenvolvimento de uma questão metafísica, em seguida, a elaboração da questão, no terceiro momento a resposta à questão, e encerraremos com o posfácio, que é acrescentado com o objetivo de mostrar o caminho para se compreender a preleção, diante de tantos mal- entendidos.

PALAVRAS- CHAVE: Metafísica, ente, ciência, nada, ser- aí


1.INTRODUÇÃO

Heidegger ao iniciar sua prática de professor na cátedra de filosofia em Freiburg, pronuncia sua primeira aula diante de todo corpo docente e discente da universidade. Sendo esta publicada no ano 1929 com o título “Que é metafísica?”. Pretende-se neste artigo mostrar de que maneira Heidegger aborda essa questão. Passaremos pelos seguintes momentos: como surgiram os textos, sua divisão em preleção, posfácio e introdução, onde neste artigo só nos deteremos nas duas primeiras partes. Na preleção o objetivo de Heidegger é discutir uma determinada questão metafísica, a questão do nada, ele apresenta a discussão nos seguintes momentos: inicia-se com o desenvolvimento de uma questão metafísica, onde vai mostrar que há na pergunta metafísica uma dupla característica, e aponta a ciência como àquela que determina nossa existência e que na totalidade dos entes há um ente que se difere, o homem, e é este que faz ciência, em seguida, a elaboração da questão, O momento seguinte da discussão de Heidegger é a elaboração da questão do nada, tornando possível uma resposta ou então comprovar sua impossibilidade, no terceiro momento da preleção, a resposta à questão, o filósofo afirma que a resposta já foi alcançada se mantermos realmente formulada a questão do nada, e encerra com o posfácio, que é acrescentado com o objetivo de mostrar o caminho para se compreender a preleção, diante de tantos mal- entendidos.


2.FORMULAÇÃO DOS TEXTOS

Os textos, que compõe O que é a metafísica? de Heidegger, surgiram quando ele assumiu a cátedra de filosofia em Freiburg, que vagou com a aposentadoria de Edmund Huserl. Ao iniciar sua prática de professor ele pronunciou sua primeira aula diante de todo corpo docente e discente da universidade. Esta aula inaugural pública é datada de 24 de junho de 1929 e publicada no mesmo ano. A preleção obteve profunda repercussão, em resposta às objeções o filósofo acrescentou em 1943 um posfácio esclarecendo aspectos que causaram dúvidas e mal-entendidos, e em 1949 o autor publicou uma introdução com o título “ Retorno ao fundamento da metafísica”.

3.A PRELEÇÃO

O objetivo de Heidegger é discutir uma determinada questão metafísica. Na preleção ele apresenta a discussão nos seguintes momentos: inicia-se com o desenvolvimento de uma questão metafísica, em seguida, a elaboração da questão, e encerra com a resposta.
Podemos perceber no decorrer do texto uma estruturação peculiar, onde seguimos passo a passo o desenvolvimento do argumento do autor sem nos desprendermos, tal estruturação tem como objetivo superar posicionamentos imediatistas por parte do leitor.

Dentro do mais autêntico estilo heideggariano, a preleção marcha para seu objetivo. Importa, porém, acompanhar a tessitura da interrogação que perseguir a meta que, desligada do movimento problematizador, aparece despida de qualquer interesse. Este encadeamento dialético visa arrancar o ouvinte ou o leitor da postura ingênua imediatista para levá-lo ao nível em que se deve desdobrar a interrogação metafísica. Atingindo tal nível, a resposta é encontrada pelo esforço pessoal. STEIN, E. (1989, 28)


3.1 O DESENVOLVIMENTO DE UMA INTERROGAÇÃO METAFÍSICA

Há na pergunta metafísica uma dupla característica, ela pretende sempre abarcar a totalidade. “ela é a própria totalidade” HEIDEGGER (1989, 35). E por outro lado a questão metafísica só pode ser formulada na medida em que aquele que interroga esteja envolvido na questão, isto é, seja problematizado. “(...) a interrogação metafísica deve desenvolver-se na totalidade e na situação fundamental da existência que interroga. HEIDEGGER (1989, 35).
Heidegger aponta a ciência como àquela que determina nossa existência. Elas têm diferentes objetos, e cada ciência os tratam de maneiras diversas e são organizadas pelas finalidades práticas das especialidades, mas para Heidegger as ciências abandonam completamente a busca pelo fundamento essencial.
“A referência ao mundo, que impera através de todas as ciências enquanto tais, faz com que elas procurem o próprio ente para, conforme seu conteúdo essencial e seu
Modo de ser, transformá-lo em objeto de investigação e determinação fundante. HEIDEGGER (1989, 35 e 36). Essa referência de mundo é sustentada por um comportamento da existência humana livremente escolhida. Objetivamente perguntamos, determinamos e fundamos o ente, nós subjugamos ao próprio ente, para que este realmente se manifeste.
Na totalidade dos entes há um ente que se difere, o homem, e é este que faz ciência, mas até este é apenas um modo de ser, e essa compreensão é necessária para que assim se perceba, como um modo de ser.
O homem – um ente entre outros – “faz ciência”. Neste “fazer” ocorre nada menos que a irrupção de um ente, chamado homem, na totalidade do ente, mas de tal maneira que, na e através desta irrupção, de descobre o ente naquilo que é em seu modo de ser. Esta irrupção reveladora é o que, em primeiro lugar, colabora, a seu modo, para que o ente chegue a si mesmo. HEIDEGGER (1989, 36).

Na existência científica o que se examina é o ente, é dele que se recebe a orientação do comportamento, “(...) a ciência nada quer saber do nada. Esta é, afinal, a rigorosa concepção científica do nada. No entanto, quando a ciência busca se definir, ela recorre ao nada. Aquilo que ela rejeita ela leva em consideração.” HEIDEGGER (1989, 36). Então o filósofo aponta uma essência ambivalente que se revela nessa discussão.
Ao refletirmos sobre nossa existência presente – enquanto uma existência determinada pela ciência -, desembocamos num paradoxo. Através desse paradoxo já se desenvolveu uma interrogação. A questão exige apenas uma formulação adequada: que acontece com este nada? HEIDEGGER (1989, 36).

3.2 A ELABORAÇÃO DA QUESTÃO

O momento seguinte da discussão de Heidegger é a elaboração da questão do nada, tornando possível uma resposta ou então comprovar sua impossibilidade. Nos parece muito incomum a pergunta pelo que é o nada, pois na pergunta já se supõe o nada como algo que é. A pergunta pelo nada converte o interrogado em seu contrário, também toda resposta a esta questão é, desde o inicio, impossível. Pois ela se apresentaria da seguinte forma: “o nada “é” isto ou aquilo. Tanto a pergunta como a resposta são, no que diz respeito ao nada igualmente contraditórias em si mesmas” HEIDEGGER (1989, 37). O principio de não-contradição, a lógica, arrasa esta pergunta, pois pensamento é sempre pensamento de alguma coisa, e sempre que tentar pensar o nada vai agir contra sua própria essência. Somente com o auxilio do entendimento que podemos determinar o nada e colocá-lo como um problema, pois o nada é a negação da totalidade do ente, sendo assim, submetemos o nada à determinação do negativo. A negação é conforme a doutrina da lógica é um ato específico do entendimento, “(...) a possibilidade da negação, como atividade do entendimento, e, com isto o próprio entendimento, depende, de algum modo do nada.” HEIDEGGER (1989, 38).
Em nossa rotina cotidiana estamos sempre presos aos entes, como se estivéssemos perdidos nos domínios do ente, mas quando não estamos propriamente ocupados com as coisas e com nós mesmos nos tornamos autênticos, por exemplo, no tédio. Acontece no ser-ai o homem a disposição de humor na qual ele é levado à presença do próprio nada, isto ocorre na disposição fundamental de humor da angústia.
A angústia é radicalmente diferente do temor, pois nos atemorizamos sempre diante deste ou daquele ente determinado, na angústia há uma essencial impossibilidade de determinação.
Na angústia – dizemos nós – “a gente sente-se estranho”. O que suscita tal estranheza e quem por ela é afetado? Não podemos dizer diante de que a gente se sente estranho. A gente se sente totalmente assim. Todas as coisas e nós mesmos afundamo-nos numa indiferença. Isto, entretanto, não no sentido de um simples desaparecer, mas em si afastando elas se voltam para nós. Este afasta-se do ente em sua totalidade, que nos assedia na angústia nos oprime. Não resta nenhum apoio. Só resta e nos sobrevém – na fuga do ente – este “nenhum”. HEIDEGGER (1989, 38).
Na angústia atingimos a consciência do ser-ai no qual o nada está manifesto e a partir do qual deve ser questionado.

3.3 A RESPOSTA À QUESTÃO

No terceiro momento da preleção, a resposta à questão, o filósofo afirma que a resposta já foi alcançada se mantermos realmente formulada a questão do nada.
O ser-ai que é o homem é um ente entre outros, no entanto, ele é um ente privilegiado, pois ele faz a pergunta pelo ser, esse ser no mundo se torna determinado quando se encontra na mundaneidade, se torna coisa e esquece o questionamento do ser, se torna anônimo, na inautenticidade, mas este é um modo de ser. O nada é o rompimento da determinação do ser-ai, o nada é a indeterminação. “ser-ai quer dizer: estar suspenso dentro do nada.” HEIDEGGER (1989, 41).
Suspendendo-se dentro do nada o ser-ai já sempre está além do ente em sua totalidade. Este estar além do ente designamos a transcendência. Se o ser-ai nas raízes de sua essência, não exercer seu ato de transcender, e isto expressamos agora dizendo: se o ser-ai não estivesse suspenso previamente dentro do nada ele jamais poderia entrar em relação com o ente e, portanto, também não consigo mesmo. HEIDEGGER (1989, 41).
O nada não é nem um objeto, nem um ente. O nada é a possibilidade da revelação do ente enquanto abertura, indeterminação, ser-ai humano.
A angústia originária somente acontece em raros momentos, o ser-ai se perde, de determinada maneira, junto ao ente. Quanto mais nos voltamos para o ente em nossas ocupações, tanto mais nos afastamos do nada e ficamos na superfície do ser-ai.
Heidegger pretende apresentar a metafísica a partir da interrogação pelo nada.
Nossa interrogação pelo nada tem por meta apresentar-nos a própria metafísica. O nome “metafísica” vem do grego: tà metà physiká. Esta surpreendente expressão foi mais tarde interpretada como caracterização da interrogação que vai metá – trans “além” do ente enquanto tal. Metafísica é o perguntar além do ente para recuperá-lo, enquanto tal e em sua totalidade, para a comprenssão. HEIDEGGER (1989, 42 e 43).

Na pergunta pelo nada se vai além do ente, isto prova que ela é uma questão metafísica. O ser é finito em sua manifestação no ente, e somente se manifesta na transcendência do ser-ai suspenso dentro do nada, sendo assim, ser e nada copertencem. Então, se a questão do ser é a questão que envolve a metafísica, então a questão do nada compreende a totalidade da metafísica.
A ciência, como já foi dito aqui, se relaciona unicamente com o ente de modo especialíssimo, querendo abandonar o nada. No entanto foi demonstrado aqui que essa existência metafísica somente é possível se, se suspende previamente dentro do nada. Somente pode-se compreender o que é a existência ciêntífica quando não se abandona o nada.
A aparente sobriedade e superioridade da ciência se transforma em ridículo se não leva a sério o nada. Somente por que o nada se revelou, pode a ciência transformar o próprio ente em objeto de pesquisa. Somente se a ciência existe graças a metafísica, é ela capaz de conquistar sempre novamente sua tarefa esencial, que não consiste primeiramente em colher e ordenar conhecimentos, mas na descoberta de todo espaço da verdade da natureza e da história, cuja realização sempre se deve renovar. HEIDEGGER (1989, 44).

Somente por causa de o nada habitar o ser-ai podemos estranhar o ente, a partir de tal estranhamento desperta-se a admiração, somente na admiração surge o porque, e partir dele podemos nos perguntar pelas razoes e somente por nós podermos perguntar pelas razões e somente por nós podermos perguntar foi entregue a nossa existência o destino do pesquisador. “A questão do nada põe a nós mesmos – que perguntamos – em questão. Ela é uma questão metafísica. HEIDEGGER (1989, 44).


4.O POSFÁCIO

Heidegger, quanto à preleção, foi mal – entendido, compreenderam-no como promotor do niilismo, da filosofia da angústia, do irracionalismo que combatia a validez da lógica. Para esclarecer a preleção ele escreve o posfácio para responder as objeções. Heidegger vai dizer que todas as objeções que contra ele se levantaram são resultado da postura de objetivismo ingênuo. O posfácio é acrescentado com o objetivo de mostrar o caminho para se compreender a preleção.
As dificuldades para acompanhar o pensamento da preleção são de duas espécies. Umas surgem dos enigmas que se ocultam no âmbito do que aqui é pensado. As outras se originam na incapacidade e também, muitas vezes da má vontade para pensar. Na esfera do interrogar pensante podem já ajudar objeções passageiras, mas certamente, entre estas, aquelas que forem cuidadosamente meditadas. HEIDEGGER (1989, 44).

O nada não corresponde a qualquer tipo de niilismo ou pessimismo, ele é o véu do ser, para se compreender nessa perspectiva é preciso se desprender da atitude objetivista e se elevar para a dimensão transcendental, desta forma pode-se compreender que o nada é um nome para o ser.
Da mesma forma a angústia deve ser compreendida, na dimensão transcendental ela não é um estado psicológico ou sentimental, é um acontecer no ser-ai em que se realiza a experiência do ser com o nada.
Por fim, em relação à lógica, Heidegger não lhe nega a validez, mas mostra a dimensão em que se manifesta o ser, em que se ultrapassa a lógica do entendimento. A compreensão do ser ultrapassa a lógica dos entes.


5.CONCLUSÃO

A ciência quis em suas análises abandonar o nada, mas como já analisamos a partir da leitura de Heidegger, ela faz uso do nada para se definir, e a existência científica somente é possível se se suspende previamente dentro do nada, só assim compreende ela realmente o que é quando não abandona o nada. Somente porque o nada se revelou pode a ciência transformar o ente em objeto de pesquisa. A pergunta pelo nada é importante porque ela põe a nós mesmos em questão. Ela é uma questão metafísica. O ultrapassar o ente acontece na essência do homem. Este ultrapassar, porém é a própria metafísica. Nisto reside o fato de que a metafísica pertence à natureza do homem, ela é o acontecimento essencial no âmbito do ser-si, na medida em que existimos estamos sendo colocados para dentro dela, pois na medida em que o homem existe acontece o filosofar. A filosofia somente se põe em movimento por um peculiar salto da existência nas possibilidades fundamentais do ser-aí, em sua totalidade, para tanto é necessário o abandonar para dentro do nada e permitir este estar suspenso para que constantemente retorne à questão fundamental da metafísica que domina o próprio nada.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. Tradução e notas Ernildo Stein. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 1989.